Em memória delas (e de tantas outras)

Arte como lugar de memória

EJA II – ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
EMEIEF PROFESSORA SÔNIA APARECIDA MARQUES

SANTO ANDRÉ/SP – 1º SEMESTRE DE 2024
TRABALHO COLETIVO


“nas temporalidades curvas, tempo e memória são imagens que se refletem.”

(Leda Maria Martins, “Performances do tempo espiralar, op. cit. p. 23 – Parte da publicação da 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível)


Registros do processo de criação

Registro da instalação finalizada


Em 2023 tive o privilégio de ouvir mais uma vez Ana Mae Barbosa no Instituto de Artes da UNESP, durante o II Congresso da OPAE (Organização Paulista de Arte Educação). Lá ela realizou o lançamento de um livro chamado “Criatividade Coletiva: Arte e Educação no século XXI”. E mais uma vez ela abriu meus olhos para algo óbvio: Nós arte/educadoras/es criamos arte em coletivo com os/as estudantes, quando assumimos a postura de mediadoras/es do conhecimento artístico. É fundamental uma postura horizontal, romper com ideia de hierarquia na sala de aula, e estar/fazer/ser junto. Isso não é fácil, mas eu nunca fui a pessoa que escolhe os caminhos fáceis, muito pelo contrário.
Esse livro se tornou meu companheiro no processo de proporcionar uma experiência arte/educação intensa e significativa.

A motivação do projeto foi o silêncio do governo federal sobre a fatídica data de 31/03/1964. Isso me trouxe muita inquietação sobre o perigo do silêncio diante dessa ferida social. Vi uma postagem nas redes sociais da ex-presidente Dilma Rousseff que parafraseio: “Manter a memória e a verdade histórica sobre o golpe militar que ocorreu no Brasil em 31 de março de 1964, é crucial para assegurar que essa tragédia não se repita, como quase ocorreu recentemente, em 8 de janeiro de 2023.”
Outro disparador foi o depoimento em vídeo de Eny Moreira, advogada de Aurora Maria Nascimento Furtado, jovem que foi presa, tortur4d4 e mort4 durante a Ditadura Militar. Esse depoimento é um trecho do filme “Os Advogados contra a Ditadura”, de 2014.

Uma das temáticas centrais do meu trabalho pedagógico é dar visibilidade às mulheres, por isso comecei uma pesquisa sobre o tema e quis dar a minha contribuição a campanha iniciada em 2016 “Em Memória Delas”, que surgiu em resposta às homenagens dedicadas ao estuprador e torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra. O título da instalação é o mesmo da campanha.

A primeira coisa que eu falei na sala de aula quando comecei o projeto “Em memória delas (e de tantas outras) foi: “Eu estou dando uma aula para vocês que eu nunca tive”. E poderia desdobrar esse tema, como era a “educação artística” enquanto eu era estudante. Mas não é esse o foco, e sim pensar sobre o que ainda me inspira e me motiva a ensinar arte num contexto tão fragilizado. Eu desejo de verdade proporcionar para os/as estudantes que perpassam a minha trajetória uma experiência única, e que ao final desse percurso eles/as sintam a arte mais próxima de suas vidas.

Os temas que abordamos foi a liberdade de expressão, a opressão dos regimes totalitários, a memória como construção social, e de que forma esses temas se relacionam com a arte.

Para Friedrich Nietzsche, toda memória é uma construção social. Ela não é um atributo individual, mas um produto das pressões e violências sociais. Constantemente em confronto com o esquecimento, que é um instinto natural do ser humano, a memória molda a experiência em grupo de forma estável e previsível. Ela força as pessoas a assumir responsabilidades por suas ações, a controlar suas emoções e a cumprir promessas, inibindo a capacidade benéfica do esquecimento. Como requisito para viver em sociedade e para garantir sua proteção, a humanidade desenvolve a memória, tornando-se assim confiável e comprometido com os interesses coletivos. Nesse contexto, o filósofo emerge como um dos pioneiros na discussão contemporânea sobre a memória social.

É importante salientar que a memória está constantemente em uma tensão entre a ausência e a presença: o presente que recorda o passado desaparecido, e também o passado que irrompe no presente. Isso significa que a memória está presente no momento atual, e este se vale dela para planejar o futuro. Para que surja o sentimento do passado, é preciso que exista um “antes” e um “depois”, de modo que o presente possa emergir, reconduzido e atualizado.

Um conceito que nos ajuda a entender como a memória é organizada é o de “lugar da memória”, proposto por Pierre Nora. Ele explora como a memória coletiva e a memória histórica se relacionam e se diferenciam. Nora sugere que a memória emerge de um grupo social que a unifica e é esse grupo que decide o que é importante lembrar e como será lembrado. As pessoas se identificam com eventos públicos que são significativos para o seu grupo. Com base nesse argumento, o historiador desenvolve a ideia de “lugares da memória”, que são locais que garantem a preservação e a transmissão das lembranças. Esses lugares estão carregados de simbolismo, representando eventos ou experiências vividas pelos grupos, mesmo que muitos de seus membros não tenham participado diretamente desses eventos.

A relação entre arte e política é complexa e multifacetada. A arte frequentemente reflete e responde às questões políticas e sociais de sua época, abordando temas como injustiça, desigualdade, opressão e resistência. Além disso, a arte pode ser uma forma de protesto, ativismo e expressão política, desafiando o status quo e promovendo mudanças sociais. Por outro lado, a política também pode influenciar a arte, seja através de censura, patrocínio estatal ou agendas políticas que moldam a produção e a recepção artística.

A reação dos/as estudantes diante do depoimento de Eny Moreira e das histórias de Aurora Maria Nascimento Furtado, Helenira Resende, Soledad Barret, Dinalva Oliveira Teixeira, Isis Dias de Oliveira e Ana Rosa Kucinski foi de surpresa, por desconhecer suas histórias e de indignação. Após a aula expositiva-dialogada, fomos para o laboratório de informática pesquisar mais mulheres que passaram por tortura durante a ditadura militar. Coletamos informações e fotografias, que foram impressas para montagem da instalação.

 Foi um projeto carregado de emoções e de engajamento por parte dos/as estudantes, preparamos três “fios de memória” onde penduramos as fotos e as histórias das mulheres que pesquisamos. A escolha da fita vermelha partiu dos/as estudantes, que pensaram na associação da cor com o sangue e seu potencial de comunicar do que se trata a instalação.

Referências:

Depoimento de Eny Moreira
https://www.instagram.com/reel/C5LjioJLquZ/?igsh=MWx1bTMzdzQ0dzBobg==

Memorial da Resistência de São Paulo
https://memorialdaresistenciasp.org.br/

Memórias da Ditadura
https://memoriasdaditadura.org.br/

Violência contra mulheres foi prática constante da Ditadura Militar no Brasil
https://ufmg.br/comunicacao/noticias/violencia-contra-mulheres-foi-pratica-constante-da-ditadura-militar-no-brasil

as mina na história – Categoria: Em Memória Delas
https://asminanahistoria.wordpress.com/category/emmemoriadelas/

Arte como lugar da memória
https://e-revista.unioeste.br/index.php/travessias/article/download/3211/2530/11831

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