PLANEJAMENTO E APLICAÇÃO DE OFICINAS DE ARTETERAPIA
COMPLEXO HOSPITALAR DO JUQUERY – FRANCO DA ROCHA/SP
PROJETO ACADÊMICO – 2º SEMESTRE DE 2010
Arte é a expressão mais pura que há para a demonstração do inconsciente de cada um. É a liberdade de expressão, é sensibilidade, criatividade, é vid
(Carl Jung, 1920)
Dalila Mendonça
Danilo Pinheiro
Flávia Gonzales Correia
Nelson Gerez Recarde Junior
Projeto realizado para a disciplina de Semiótica.







A razão e a sensibilidade
Sempre me interessei muito por psicologia e psiquiatria, em especial por ter alguns familiares que sofreram e ainda sofrem com transtornos mentais. A complexidade da nossa mente é algo admirável. Existe uma lacuna, algo a ser compreendido, entre a suposta razão e a sensibilidade humana, que pode ser expressa e entendida de várias formas, e a arte é uma dessas formas de expressão.
Por isso quando recebi a tarefa de criar um projeto de oficina para a disciplina de Semiótica na faculdade quis realizar com pacientes psiquiátricos. Busquei colegas que também se interessassem, formamos nosso grupo e iniciamos nossas pesquisas. Escrevemos o projeto e tivemos a grande alegria de sermos acolhidos pelo Complexo Hospitalar do Juquery, em Franco da Rocha/SP, que foi um marco na história da psiquiatria no Brasil.
O que mais me alegrou foi a forma calorosa que nos receberam os médicos e funcionários e também os pacientes que participaram do projeto. O trabalho completo pode ser visualizado no Catálogo que organizamos.
Nosso trabalho foi norteado pelas teorias psicanalíticas que fundamentam a Arteterapia, como as de Freud e de Carl Jung, que foi o primeiro a utilizar a expressão artística em consultório. Outras teorias mais recentes também foram de extrema importância, tais como a Gestalt de Perls, o Psicodrama de Moreno, as linhas humanista, sistêmica e transpessoal.
A inspiração e motivação veio a partir das realizações de grandes grandes psiquiatras brasileiros, como Ulysses Pernambucano, em Recife e Nise da Silveira, no Centro Psiquiátrico do Engenho do Dentro, Rio de Janeiro, onde adotou a prática da pintura e da modelagem no trato com esquizofrênicos. Essa experiência seria o embrião do Museu de Imagens do Inconsciente, criado em 1952, que ocupava uma pequena sala vinculada a um ateliê.
Para valorizar a questão local, nossa grande referência veio do trabalho precursor desenvolvido por Osório Cesar, que inicia sua carreira em 1925 no Hospital do Juquery, em Franco da Rocha/SP. Em 1950 passa a orientar os trabalhos da seção de Artes Plásticas, primeira denominação da Escola Livre de Artes Plásticas do Juquery, criada em 1948.
Sob a condução de Osório Cesar, a espontaneidade e a expressão individual dos pacientes foram respeitadas e incentivadas. Ele buscava não interferir nas produções dos pacientes, apenas orientá-los quanto às técnicas e uso de materiais. Mesmo assim, foram muitos os pacientes que desenvolveram uma linguagem própria, por intermédio de experimentos e criações de formas, cores e texturas.
Osório Cesar preocupava-se com a extensão das atividades terapêuticas – de maneira a incluir o trabalho e a arte – e a inserção social dos internos. Com isso, fundamentou as atividades da Escola Livre de modo à possibilitar aos pacientes o desenvolvimento de suas potencialidades, que seriam reveladas no ato da criação, permitindo uma busca do mundo interior e uma relação mais profunda dos indivíduos consigo próprios.
Dessa forma, buscava atingir a cura e a reabilitação, principalmente a última, que não depende apenas dos indivíduos, mas da aceitação social em sua reintegração. Sua contribuição teórica para os estudos das relações entre arte e inconsciente são particularmente significativas, com destaque para o livro A expressão artística nos alienados, de 1929.
Em nossas oficinas trabalhamos com cerca de 50 pacientes, com distúrbios leves e moderados, que são internos crônicos. Essa pequena multidão de mentes mais embaraçadas do que se costuma achar normal tem histórias parecidas. Todos foram parar no Juqueri há décadas, por conta de crises agudas de transtornos mentais. Após tratamento, acabaram jogados em pavilhões. Tratados como loucos, só pioraram. Muitos precisam de algum tipo de tratamento médico.
Mas, em linhas gerais, poderiam ter alta psiquiátrica. Se não fossem pobres, controlariam seus transtornos com remédios controlados e terapia. Seriam, no máximo, aqueles tios ou primas meio estranhos que toda família tem. O problema enfrentado por eles é mais de exclusão social do que psiquiátrico.
Realizamos 6 visitas ao Complexo. Na primeira, fomos conhecer a instituição e os pacientes que participariam do nosso projeto. Na segunda realizamos a primeira oficina, de colagem. Na terceira realizamos uma oficina de desenho, na quarta de pintura, na quinta de modelagem. Em nossa sexta e última visita, oferecemos a eles um café da manhã especial, com doces, salgadinhos e muita pipoca. Dançamos e nos divertimos com eles.
No que diz respeito as atividades aplicadas, não só foram estimulantes para os pacientes, foram estimulantes para mim também, de uma forma muito especial. Ver a simplicidade, a sensibilidade de cada um e a pureza na forma de agir, me fez repensar muitos valores e me reencontrar com minha sensibilidade. Quando se começa a viver a vida automaticamente, nos transformamos aos poucos em estátuas ambulantes, cheias de instintos reprimidos, raiva e desapontamento.
Estimular e incentivar o interesse artístico-cultural neles, me despertou novamente a paixão pela arte que estava adormecida dentro de mim. Ao oferecer a eles essas oficinas, tivemos a oportunidade de interagir socialmente com eles e eles conosco. Foram poucos encontros, mas acredito que fizemos diferença, assim como eles fizeram diferença na minha forma de olhar um paciente psiquiátrico e a doença mental em geral, derrubaram preconceitos e paradigmas.
A finalização do projeto deixou um desejo de continuidade em todos nós, principalmente pelo acolhimento que recebemos da equipe (médicos, psicólogos, enfermeiros e profissionais da limpeza e manutenção), nos estimularam e auxiliaram durante todo o processo. É impossível esquecer-se do que nos foi apresentado nesses dias, e de como esses pacientes necessitam e anseiam por contato social, o quanto eles têm para nos mostrar e ensinar.
O real objetivo da divulgação deste projeto é mobilizar um novo olhar para essas pessoas e suas obras, e abrir uma discussão mais ampla sobre o sentido da produção artística inclusiva, que integra os indivíduos e repõe o sentido de humanidade que a arte pode e sabe provocar.


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